segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

"Spotlight: Segredos Revelados" - Um filme honesto e plausível?...

Há razões de sobra para admitir que o filme vencedor do Oscar 2016 nada mais é do que mera peça de propaganda anticatólica que venceu o "prêmio da academia" justamente por isso. É um filme falacioso e destinado a enganar gente tola e mal informada. E isso fica patente por diversos motivos:

1) As dioceses americanas pagaram muito dinheiro em indenizações pelas acusações de abuso contra sacerdotes que eram minimamente sustentáveis. Nenhum advogado livrou a Igreja de tirar do caixa centenas de milhões de dólares para indenizar as vítimas! 
Revista Newsweek diz que o relato de "abuso" de Gallagher mudava o tempo todo
2) É perfeitamente plausível que muitas pessoas que odeiam a Igreja - como os infelizes que produziram esse filme - tenham inventado que sofreram abusos de padres na infância tanto para ganhar dinheiro fácil quanto para sujar mais a imagem da instituição que tanto detestam! Só gente desonesta, de má-fé, ou então totalmente desinformada, é que diz acreditar em todas as acusações de pedofilia feitas contra padres. A revista americana Newsweek publicou uma extensa reportagem, na qual desmantelou uma série de falsidades do ex-coroinha Daniel Gallagher, mais conhecido como “Billy Doe”, que terminou na injusta condenação de três sacerdotes que foram presos e um professor da Arquidiocese da Filadélfia (Estados Unidos), falsamente acusados de abusos sexuais cometidos contra o menino. Um padre morreu na prisão por causa das acusações falsas de abuso sexual; quando foi constatada sua inocência já era tarde demais! (http://www.acidigital.com/noticias/desmantelam-falso-caso-de-abusos-sexuais-que-terminou-com-a-morte-de-sacerdote-na-prisao-37679/) E quem não se lembra daqueles criminosos reincidentes que extorquiram o padre Julio Lancellotti no Brasil, ameaçando acusá-lo de pedofilia para lhe arrancar dinheiro?...

Anderson Batista, que extorquiu o padre Lancelotti ameaçando acusá-lo de pedofilia
3) A percentagem de padres envolvidos com abusos de crianças é ínfima diante do número total de sacerdotes católicos no mundo e é menor do que o número de pedófilos entre professores, médicos e parentes das vítimas! O próprio Dawkins, guru dos ateístas, diz que foi vítima de um professor pedófilo: https://noticias.gospelprime.com.br/richard-dawkins-pedofilia-leve/ 



4) O filmeco premiado não mostra a real causa de haver abusadores no clero, que é a seleção de seminaristas por péssimos critérios inspirados pela agenda esquerdista, conforme relata o livro "Adeus, homens de Deus" (http://videeditorial.com.br/adeus-homens-de-deus). 
A suposição que o filme levanta, de que o problema dos abusos seria resultado do celibato é simplesmente ridícula! Os professores, médicos e parentes supracitados, que compõem a maioria dos casos, não são celibatários e, pela lógica idiota do filme, jamais haveria pedófilos entre não-celibatários. Mas há, e eles são a maioria!

A maioria dos casos de padres acusados de envolvimento sexual com menores são, na verdade, casos de pederastia (que é o envolvimento homossexual adulto-adolescente) e não de pedofilia (abuso de crianças pré-púberes geralmente do sexo oposto), o que traz à tona o problema grave da aceitação de gays nos seminários, que é a causa oculta de grande parte desses escândalos, como está relatado no livro supracitado e explicado pelo Prof. Olavo de Carvalho neste artigo: http://www.olavodecarvalho.org/semana/04272002globo.htm

Em tempo: também existe um documentário chamado An Open Secret (https://www.youtube.com/watch?v=TbNknirhUeA) que denuncia a existência de uma rede de pedofilia em Hollywood! Mas esse não ganhou prêmio... por que será?...

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Uma apreciação política da obra Desvio Para o Vermelho, de Cildo Meireles


Constituída por três ambientes articulados entre si, a instalação Desvio para o Vermelho de Cildo Meireles foi concebida em 1967, mas sua composição final, exibida a partir de 2006 no Centro de Arte Contemporânea Inhotim, foi concluída apenas nos anos 80. 

O primeiro dos três espaços que compõem a obra, denominado Impregnação, consiste num cômodo repleto de móveis, utensílios, quadros artísticos e objetos diversos que excitam a sensibilidade visual pela dominância total da cor vermelha em todos eles. O vermelho aparece em diferentes tons, mas todos os objetos são, em alguma medida, vermelhos. À primeira vista, a considerar pelo sofá, pela mesinha próxima a ele, pelos quadros e pelas estantes, quem adentra este primeiro ambiente pode pensar que se trata de uma sala de estar. Uma sala incomum, um tanto exótica devido ao vermelho impregnado em tudo, mas uma sala.

Porém, conforme se atenta para os objetos individualmente, percebe-se que o cômodo contém coisas que não se encaixam numa sala, como uma geladeira, um guarda-roupa e objetos de escritório. O que os objetos têm em comum não é o fato de pertencerem a uma mesma categoria doméstica, mas sim a cor que os torna quase indistinguíveis à primeira vista, apesar de a “vermelhidade” estar mais presente em uns do que em outros, sendo que alguns dos objetos são de um vermelho que tende para a cor laranja. Como se lê na descrição da instalação, “a cor satura a matéria”, transformando-se ela mesma em matéria.

O primeiro ambiente pode remeter à homogeneização gerada por uma ideologia totalizante, à relação passional que “vermelhifica” tudo o que envolve a vida dos amantes ou ao sangue humano que deu àqueles objetos sua forma ou que dá a eles algum sentido no mundo humano, que os faz objetos de afeto, importantes ou vitais para alguém. Uma vez que o design de muitos dos objetos ali expostos incorpora claramente o estilo dos anos 60, 70 e 80, sendo que alguns deles, como a máquina de datilografia, sequer são usados em nossos dias, poder-se-ia remetê-los também a circunstâncias históricas específicas. O observador poderia imaginar tratar-se de uma referência às residências dos convictos socialistas da finda Alemanha oriental, da extinta União Soviética ou mesmo de algum socialista ocidental cujas paixões ideológicas somadas ao contexto da Guerra Fria contribuem para “vermelhificar” tudo ao seu redor.

São muitas as interpretações possíveis, uma vez que não há, em toda a instalação, um símbolo ou ícone que dê um sentido óbvio à obra. A interpretação é aberta justamente porque não se detecta uma intencionalidade clara do artista, e essa é uma das características próprias da arte contemporânea. O painel descritivo da instalação de Meireles nos faz notar que qualquer lógica que se queira estabelecer entre os três ambientes que a compõem é artificialmente elaborada pelo intérprete, não é inerente à obra, uma vez que a obra, em si, apenas proporciona a criação de “uma série de falsas lógicas que nos devolvem sempre a um mesmo ponto de partida”.
No segundo ambiente da instalação, Entorno, encontramos um cômodo escuro, sem iluminação própria e com piso negro. Conta-se apenas com a iluminação que vem do ambiente anterior. Neste segundo espaço, vemos logo ao chão uma pequena garrafa deitada e uma tinta vermelha que sugere um volumoso líquido escarlate que parece ter sido entornado por aquela garrafinha caída. Conforme se avança Entorno adentro, acompanhando o trajeto do líquido rubro entornado, a escuridão aumenta e o líquido se torna mais caudaloso, como se fosse formar um riacho. Poder-se-ia interpretar que a garrafa é um dos muitos objetos pertencentes à casa impregnada de vermelho, mas que, por alguma razão enigmática, caiu numa dimensão mais interna que o cômodo iluminado e fez vazar a sua “vermelhidade” para as profundezas de uma escuridão mais íntima que o próprio ambiente doméstico.
Por fim, já em escuridão total, chega-se ao terceiro ambiente: Desvio. Este último cômodo consiste num espaço de quase total penumbra, no fundo do qual uma fraca luz ilumina apenas uma velha pia de banheiro que está um pouco torta na parede, inclinada para um lado. Nela, jorra de uma torneira um líquido rubro sobre a louça branca toda respingada de algo que, à primeira vista, lembra resíduos de sangue coagulado. Desvio lembra um cenário de filme de horror; remete à violência. O “sangue” que jorra da torneira nos faz pensar em crimes, ou até em grandes massacres.

E, se quisermos estabelecer uma relação com o primeiro espaço, com a casa impregnada de vermelho, poderíamos imaginar que aquele “sangue” que jorra na obscuridade dos “fundos da casa” simboliza as carnificinas causadas pelo mesmo totalitarismo que “vermelhifica” todo o primeiro ambiente. Poderíamos supor que mentalidade “vermelhificadora” que parece inofensiva e até charmosa no primeiro ambiente é a causa do “sangue” que escorre na escuridão do último. Ou, ainda, poderíamos fantasiar que o espaço da Impregnação, com seus objetos domésticos banais impregnados por uma obsessão monocrômica, representa a banalidade da vida de um idealista com potencial genocida; a vida ordinária de um ideólogo que, às claras, passa os dias normalmente em meio a objetos banais, mas que, ocultamente, contribui para derramar o “sangue” que jorra na sinistra pia que jaz na escuridão. Aquela poderia ser, talvez, a casa da família de Adolf Eichmann, o oficial nazista que surpreendeu Hannah Arendt por ser um homem tão banal e, ao mesmo tempo, capaz de coisas tão horríveis. Ou poderia ser a casa de qualquer militante político que, prenhe de ideais utópicos, aceite tranquilamente – como os jacobinos, os bolcheviques ou Eric Hobsbawm – que derramar um pouco de sangue se justifica quando se tem em vista um futuro "livre", mais "justo" e "igualitário". 

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Os males morais e sociais do nosso tempo são culpa do "sistema"?

O longa-metragem alemão Die fetten Jahre sind vorbei ("Os Edukadores", no Brasil), de 2004, é um desses filmes dedicados a exaltar o conduta criminosa juvenil inspirada por ideais "revolucionários" e politicamente corretos. 
Cartaz do filme com o título em inglês
O tipo de filme que, justamente por ser idiota, é aplaudido pela crítica. Nele, há uma cena na qual os jovens e "heroicos" revolucionários acusam um homem de posses que trabalha cerca de 13 horas por dia de ter "roubado tudo o que possui" e atribuem ao sistema econômico capitalista, que ele alimenta, o baixo salário dos asiáticos, o mau comportamento das massas, a infelicidade de muitos, entre otras cositas más!... Detalhe: no momento em que este diálogo acontece, o homem está sendo sequestrado pelos "justiceiros sociais" - qualquer semelhança com o modus operandi da esquerda na realidade não é mera coincidência.

Nesta hora, quem conhece mais ou menos a realidade do proletariado asiático pula do sofá e exclama: "Ei, mas pera lá!... Os cidadãos do Japão, da Coréia do Sul, de Cingapura e de Taiwan tem bons salários! Os salários são ruins na China, que mantém um esquema de poder fechado comunista e ditatorial, com o maldito Estado controlando ainda muito mais do que devia! E as pessoas são ainda mais mal tratadas e mal pagas (e muitas chegam até a morrer de fome!) na Coreia do Norte, que é mais comunista e fechada ainda! Como pode, então, o playboy revolucionário atribuir ao capitalismo males causados por regimes comunistas?..." Pois é...

Disparate ainda maior é atribui ao sistema econômico a decadência moral das sociedades capitalistas e a infelicidade de não sei quantos!... Quem não sabe que as principais responsáveis pela perda de valores no Ocidente foram justamente as subversões culturais e morais operadas pela própria esquerda desde a década de 60!?... Quem ignora que o egoísmo, o ateísmo prático, a alienação e a imoralidade tenham sido alastrados entre o povo pela própria esquerda socialista?... 

O mercado contribui com tal decadência? Sim, tanto quanto o martelo e os pregos com os quais Cristo foi pregado na cruz contribuíram para sua crucifixão. O mercado é imparcial, pode servir tanto ao mal quanto ao bem, a depender dos agentes econômicos, e mais dos consumidores do que dos produtores! Se os consumidores estão dispostos a pagar por ótima cultura, ele oferece ótima cultura, se estão dispostos a pagar por baixaria, ele oferece baixaria! 

Esse papo de culpar o capitalismo por todos os males tem sido um ótimo pretexto esquerdista para semear degeneração social, corrupção moral, egoísmo socialmente "justificado", fanatismo ideológico, anemia espiritual e ainda botar a culpa de tudo no "sistema"!... 

A culpa dos nossos males é menos do "sistema" do que de playboys revolucionários e maconheiros como os que aparecem no filme e suas versões adultas, que são os políticos*, juízes, advogados, jornalistas, pedagogos, "artistas" e doutrinadores escolares que prolongam a inoculação do veneno ideológico causador das mazelas que eles atribuem ao "sistema"! 

*Basta olhar para quem está no poder no Brasil hoje. A quadrilha do PT e do PCdoB que nos desgoverna atualmente e afunda o país cada dia mais no atoleiro é a versão adulta dessas figurinhas "socialmente conscientizadas" que querem ser "Edukadores" e revolucionar o mundo! Conheci muitas figurinhas assim na universidade. É o pior tipo de hipócrita que existe!

Seguir o coração?...

Há muito tempo é um lugar comum aconselhar os outros a "seguirem o seu próprio coração", no sentido de fazer as escolhas que lhe cabem conforme as suas próprias intuições ou sentimentos. Mas será que isso é realmente uma boa ideia?... Será que é um conselho realmente sensato?... Nossas intuições e sentimentos são sempre confiáveis?...

As sugestões do coração parecem sempre mais coloridas e alegres. Mas, no longo prazo, pode ser a "chatice" da razão que te levará à verdadeira realização e felicidade! Há um provérbio que diz: "O que se fia em seu próprio coração, é um tolo; quem caminha com sabedoria, escapará do perigo." (Pr 28,26)
Todos nós já tivemos momentos ruins em nossos relacionamentos profissionais ou familiares. Agora, pense: se você tivesse agredido todo mundo que já quis agredir na vida, como estariam as coisas agora?... Se, num momento de fúria, você tivesse se deixado levar pelo impulso e tivesse agredido ou insultado sem compaixão aquela pessoa que tanto ama, o que teria acontecido?...
Ainda que isso às vezes pareça nos "partir ao meio", não podemos deixar
nem o cérebro nem o coração fugirem do controle
É evidente que o excesso de racionalidade e precaução também não ajuda. A vida demanda certo espírito aventureiro, mas também exige uma boa dose de prudência!

O que chamamos de "intuição" ou "voz do coração" às vezes pode ser um bom anjo nos aconselhando, mas às vezes pode ser também um demônio!... Às vezes pode ser um vislumbre de incrível perspicácia... ou uma mera inclinação sentimental.
O diabo não se insinua sempre pelos sentimentos e
tampouco a voz do anjo é sempre a da razão: é preciso avaliar cada moção interior.
Nosso Senhor Jesus Cristo ensinou que "é do interior do coração dos homens que procedem os maus pensamentos: devassidões, roubos, assassinatos, adultérios, cobiças, perversidades, fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez." (Mc 7,21s) 

Se você não se precaver contra as inclinações do coração, estará à mercê de qualquer desejo ou impulso íntimo, e as conseqüências podem ser desastrosas! Mas afastar completamente os sentimentos também não é uma boa ideia. Você não deve perder a coragem nem pensar sempre nas piores consequências, mas deve ponderar com sensatez antes de fazer cada escolha na vida!
Portanto, quando alguém sugerir que você siga o seu "coração", pense duas vezes antes de acatar a sugestão!

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Entenda A Árvore da Vida, o filme que abalou a fé de Zeca Camargo

Comento a seguir uma autêntica obra de arte cinematográfica, vencedora da Palma de Ouro de Cannes, mas que foi entendida por pouquíssimas pessoas, mesmo dentre a crítica especializada. Não é um filme óbvio, de compreensão imediata, não é um filme "popular" (no pior sentido do termo), mas é certamente uma autêntica obra-prima! 
A Árvore da Vida é muito mais do que um mero entretenimento para se assistir comendo pipoca. Dirigido pelo norte-americano Terrence Malick*, a ideia inicial do filme teria sido digerida por cerca de 40 anos na mente filosófica de Malick antes que o longa-metragem começasse a ser produzido. O resultado foi um filme magistral, com atuações comoventes, fotografia fascinante e uma trilha sonora esplêndida!

*O diretor é graduado em Filosofia por Harvard, exerceu o magistério no Massachussets Institute of Technology e só não se pós-graduou em Oxford por causa de desavenças com seu orientador acadêmico. Malick também é tradutor de uma obra do filósofo existencialista alemão Martin Heidegger.

Creio que jamais se produziu outro filme que fosse tão simplificadamente abrangente quanto A Árvore da Vida. Ele remete à origem do universo, às primeiras formas de vida na Terra e relaciona esses eventos pré-históricos com a história de uma família comum. Através dessa família, Malick desvela realidades de incompreensão, dúvida, morte, raiva, escolha, liberdade, revolta, violência, sentido, perdão e, principalmente, amor. O filme fala de um modo surpreendente da minha própria vida e provavelmente fala bastante da sua também! Porém, há quem tenha visto apenas puro nonsense no longa, entremeado por cenas à primeira vista desconexas, mas que, quando bem compreendidas e encaixadas, fazem surgir um quadro extraordinário feito com peças do nosso quebra-cabeças existencial.
O longa não economiza nas cenas repletas de beleza e simbolismo 
Encontrei tantas interpretações disparatadas e preguiçosas sobre este filme na internet que resolvi escrever eu mesmo sobre o que ele realmente comunica com clareza! E acredito que o leitor pode confiar na minha interpretação não apenas porque o assisti várias vezes (sem ter conseguido entender muita coisa nas duas primeiras, admito), mas também porque me esforcei para captar as alegorias filosóficas e teológicas da narrativa. 

É evidente, contudo, que não pretendo aqui decifrar todos os símbolos imagéticos e dizeres obscuros contidos no longa, até porque muita coisas ali está aberta à interpretação subjetiva. Entretanto, há reflexões objetivas que são ali  suscitadas com clareza, embora não com uma linguagem sempre direta, o que torna sua compreensão menos acessível às massas.
Procurando críticas sobre o filme na internet, deparei-me com uma avaliação pobre e deprimente de uma crítica de cinema da revista Veja no youtube. Ela insinuou que a profundidade de Malick é apenas de aparência e que ele seria "viajandão" e "New Age". Porém, um comentário feito na própria página do vídeo lavou-me a alma: "Se eu parasse para explicar o porquê desse filme ter feito meu dia, minha semana e talvez minha vida, levaria uma eternidade. O fato é que eu compreendi muita coisa do que eu mais desejei e desejo compreender durante esses dias. [...] Essa noite eu durmo pensando que assisti a um filme que fizeram para/por mim e minha família." Sem dúvida, A Árvore da Vida mergulha nos dramas comuns - internos e externos - de muitas famílias!

Atenção, se você nunca viu o filme, recomendamos que o assista uma vez na íntegra, antes de ler este artigo, para melhor degustá-lo, compreendê-lo e maravilhar-se com ele mais tarde. Depois de assistir uma vez, leia este artigo e torne a assistir o filme com o cabedal interpretativo que fornecemos nas linhas a seguir.
Para abordar temas profundamente filosóficos e nada vulgares, Malick se vale da história de uma família bastante comum: os O’Brien, uma típica família estadunidense  de classe média-baixa, ascendência irlandesa – como sugerem o seu sobrenome e confissão religiosa –, três filhos e uma razoável estabilidade econômica. O diretor se vale do ordinário para remeter ao extraordinário; mostra como o natural e imanente é capaz de apontar para o transcendente e o fim último da existência.

O filme segue uma narrativa não-linear que transita principalmente entre três tempos: A perda dramática de um dos filhos do casal O’Brien com a idade de 19 anos (1º tempo), a pré-adolescência dos três filhos do casal num contexto de vida simples e interiorana (2º tempo) e a vida adulta e metropolitana do filho Jack, interpretado na fase adulta por Sean Penn (3º tempo).
Jack é o que mais se aproxima do que ordinariamente chamaríamos de um protagonista. Mas ele divide esse protagonismo com o pai, a mãe e o Agente oculto e metafísico que paira acima da narrativa, que produz os eventos pré-históricos que o filme resgata e com quem os três outros protagonistas dialogam nos momentos mais cruciais. Deste último, entretanto, só vemos alguma aparência em calmas e misteriosas luzes informes que eventualmente aparecem na tela. E suas “falas” só se dão por meio dos acontecimentos, dos cenários naturais e da trajetória dos outros personagens; é um Personagem que é Ato Puro (v. Aristóteles), que já É tudo o que poderia vir a ser e que diz de Si no acontecendo da História.

Sra. O’Brien (a mãe)
Jéssica Chastain interpretando a Sra. O'Brien, esposa do personagem de Brad Pitt
Como, logo no começo do filme, esta personagem recorda uma antiga lição, segundo a qual toda pessoa deve escolher entre o caminho da Natureza e o caminho da Graça¹, alguns interpretaram que o pai da família era o “avatar” da Natureza (por ser mais impulsivo, irascível e durão), e a mãe, o da Graça.

¹A personagem diz que a Natureza “busca apenas sua autossatisfação e outros que também a satisfaçam, gosta de nos assoberbar, de fazer tudo à sua maneira e encontra razões para sentir-se triste, mesmo com o mundo todo a brilhar ao seu redor e o amor a sorrir por toda parte”, enquanto a Graça “aceita ser menosprezada, esquecida, desprezada, aceita insultos e golpes” e os que a seguem “nunca tem um fim infeliz”.

Mas considero esta uma interpretação simplista. A Graça e a Natureza não se personificam no filme. Elas são forças antagônicas que se manifestam, uma ou outra, em cada escolha e em cada ato das personagens separadamente, não nas suas personalidades inteiras! São as escolhas e atitudes individuais dos personagens que nos revelam o caráter da Natureza e o caráter da Graça! A mãe não reflete 100% a Graça. (Quando ela confronta Deus ou quando parte pra cima do marido truculento, por exemplo, ela está seguindo a Natureza!) E o pai tampouco é pura Natureza: cada gesto de amor esponsal e paternal e cada ato de arrependimento do Sr. O’Brien é uma escolha pela Graça!

Logo depois de receber a notícia da morte do filho de 19 anos, a mãe questiona: “Senhor... Por quê?... Onde você estava?...

É um questionamento que indica crise de fé, incerteza, desconsolo, insegurança!...
E seguem-se imagens de nuvens luminosas e etéreas se movendo, seguidas por cenas da origem do universo e da geração das primeiras formas de vida na Terra. Estas cenas, inseridas bem no meio do drama da Sra. O’Brien, pareceram descontextualizadas, puro absurdo, para muitas espectadores, mas elas não são nem um pouco descabidas ou ilógicas.
As imagens cósmicas são vetores para a metafísica de fundo que permeia o filme
A mãe segue questionando: “Quem somos nós para você?... Responda-me...” enquanto o universo vai se formando magnificamente, galáxias se expandem e lindas luzes entre névoas rubras pulsam como um jovem coração...

Essas imagens são a resposta ao questionamento da mãe e são a explicação da epígrafe que abre o filme: “Onde estavas quando lancei os fundamentos da terra sob os alegres concertos dos astros da manhã, sob as aclamações de todos os filhos de Deus?(Jó 38, 4;7)

Este trecho é parte da resposta de Deus a Jó, o justo que foi testado pelo sofrimento atroz. A cultura popular o retrata como símbolo de paciência e resignação, mas a narrativa bíblica diz que Jó teve uma reação bastante comum ante os males que se abateram sobre ele: queixou-se contra o seu Criador (Jó 30, 19ss) e quis justificar-se, apresentar-se como vítima de uma injustiça, de um castigo imerecido, “dando assim culpa a Deus(Jó 32, 3c). É em resposta a essa atitude que o Onisciente lança aquelas perguntas retóricas à criatura que pretende corrigi-Lo.
Jó, o justo provado pela desolação
As personagens de Malick em A Árvore da Vida são, cada qual a seu modo, versões atualizadas de Jó (embora não apenas de Jó, mas também de outras figuras emblemáticas, como veremos mais à frente)

É como se o Interlocutor invisível da inconsolável Sra. O’Brien lhe dissesse: “Você não é capaz de compreender a razão da morte do seu filho. Você não tem uma visão do quadro maior, não tem o direito de Me julgar! Você, tal como Jó, não estava lá quando Eu criei o universo ou quando dei vida ao barro! Não conhece o meu modo de proceder, não sabe como eu concateno as coisas para que tudo concorra para o bem.” (v. João 9, 1ss e Rm 8, 28)

Voltando às referências filosóficas, essa reflexão que o filme suscita nos remete à Teodiceia de Leibniz, que Malick certamente deve ter lido. Segundo o filósofo alemão, nós tendemos a ver males em excesso no mundo porque temos uma visão parcial e limitada, por não termos a visão divina que contempla o bem que há no quadro completo. Leibniz recorda que muitas cenas de peças de teatro são ruins quando tomadas isoladamente, mas fazem a peça ser boa quando inseridas no todo². 
Assim, sem violar o livre-arbítrio do homem, que é um bem em si, Leibniz considera que a Providência opera para produzir “o melhor dos mundos possíveis”, de modo que o todo resulte em bem, apesar dos males parciais que nos fazem duvidar daquela Providência.

² O mesmo se poderia dizer do próprio filme de Malick, cujas cenas são recortes de acontecimentos que, sozinhos, não fazem sentido, mas que produzem uma obra primorosa da sétima arte no seu conjunto. Ou, pra usar um exemplo real e histórico, a morte do Dr. King, nos EUA, foi em si um mal, mas talvez o movimento pelos direitos civis dos negros não teria ganhando tanto impulso sem este acontecimento e a discriminação teria se estendido por sabe-se lá quando anos mais.


Enquanto o cosmos vai se formando e expandindo maravilhosamente e a Sra. O’Brien lança suas angustiadas indagações ao Céu, a música comovente que ouvimos no filme é uma Lacrimosa de Zbigniew Preisner. Lacrimosa é uma parte do texto da sequência Dies Irae da tradicional Missa de Réquiem, que já teve versões musicalizadas compostas por Mozart e Verdi. Mas, em diversas ocasiões, a palavra "Lacrimosa" também se refere à mais expressiva das mães que já choraram a perda de um rebento saído de suas entranhas: Maria, a Mãe de Cristo.  
Sra. O'Brien e a lacrimosa Virgem das Dores
De todos as vozes humanas da obra, a da mãe parece representar a alma que mais reconhece a Graça, a que mais facilmente consegue captá-La, embora tivesse questionado a Providência ao passar pela dor extrema da perda do filho.


Sr. O'Brien (o pai)
O pai da família O'Brien, interpretado por Brad Pitt
O personagem de Pitt é um homem que ama a sua família, dá carinho aos filhos e se esforça para prover o que necessitam. Mas é também um homem rigoroso, um pai à moda antiga, que exige dos filhos gestos de amor, obediência, submissão e diligente dedicação nas pequenas tarefas que lhes encarrega. 
Assim, sua relação de amor e prova para com os filhos assemelha-se à do Deus bíblico para com os seus eleitos³, exceto pelo fato de que o Sr. O'Brien desconta irascivelmente na família suas frustrações pessoais, geradas provavelmente por ele não ter suas patentes reconhecidas, por não ser rico ou por não ter podido ser músico

³ "Demos graças ao Senhor nosso Deus, que nos submete a provações, como fez com nossos pais. Lembrai-vos de tudo o que Deus fez a Abraão, de como provou Isaac, de tudo o que aconteceu a Jacó. Assim como os provou pelo fogo, para lhes experimentar o coração, assim também ele não se está vingando de nós. É antes para advertência que o Senhor açoita os que dele se aproximam." (Judite 8,25-26a.27 - trad. Nova Vulgata)

Após o falecimento de um dos filhos, o vemos arrependido pelo modo grosseiro com que o tratava. Em outro momento, num diálogo interno consigo, reconhece sua soberba: “Eu queria ser amado porque eu era grande. Um grande homem. Mas eu não sou nada.” E se reconcilia com a vida, com os dons que lhe foram dados: “Olhe para a beleza ao nosso redor. Árvores, pássaros. Eu vivia em vergonha. Eu desonrava tudo e não notava a glória. Que homem tolo!

Mais tarde, é rebaixado na empresa e aceita isso com resignação. Reconhece que foi duro com o filho Jack e lhe diz que não se orgulha disso. O filho diz: “Eu sou tão mal quanto você. Sou mais parecido com você do que com ela.(O que é verdade. Jack e seu pai parecem tender mais facilmente para a Natureza impulsiva e revolta, enquanto a mãe e os demais filhos parecem se dar mais facilmente com a Graça.) Eles se abraçam, emocionados. É uma linda cena de confissão e reconciliação.
A notável atuação de Pitt nos revela apenas um homem que, assim como tantos outros, procura ser bom, apesar de suas limitações, na medida em que vive o conflito interior de luta entre os impulsos egoístas, insatisfeitos e dominadores da natureza decaída e as sugestões afáveis e restauradoras da Graça.


Jack (o filho mais velho)
Jack é interpretado na adolescência por Hunter McCracker
O filho mais velho da família O'Brien é também o mais indócil, o que mais herdou o temperamento impulsivo do pai e é também o personagem no qual o conflito moral e espiritual é mais intenso, quiçá devido às inquietudes próprias da adolescência.

Numa cena mística que precede o seu nascimento, o vemos, na figura de um garotinho vestido de branco, sendo orientado e conduzido à vida terrena por uma figura angelical, junto com outras alminhas recém-criadas. Logo em seguida, há um quarto inundado - o útero materno, interstício entre a realidade espiritual e o plano material - do qual sai para nascer no mundo, dando encanto aos pais.

O pai lhe ensina a dar os primeiros passinhos e lhe apresenta o mundo. A mãe brinca com ele, cura-lhe os esfolados, ama-o. Quando o primeiro irmãozinho vem, manifestam-se os primeiros sinais de egoísmo: o pequeno Jack sente ciúmes, faz birra e até ameaça atirar um brinquedo na mãe, que segura o irmão nos braços. É a concupiscentia naturae dando as caras.


O pai e a mãe também lhe são sinais e comunicadores do Amor metafísico que resume a trama. Isto nota-se não apenas nos gestos de carinho e cuidado deles, mas também na medida em que lhe dão os primeiros "mandamentos" (a mãe lhe ensinando a não ser agressivo e o pai lhe ensinando a não "cruzar a linha" que separa o seu quintal do do vizinho significam mais do que parece, como tudo no filme), demandam amor e obediência, o que mais tarde gera certa rebeldia no filho mais velho.
Na terceira vez em que o vi, já senti que o filme retratava muito da minha própria adolescência! Estão ali os conflitos internos e externos de qualquer garoto de classe média-baixa, criado numa família amorosa, mas com um pai um tanto rígido. Estão ali os impulsos de agressividade, os ciúmes dos irmãos e até a ideia de seguir de longe a garota bonita da escola sem ter coragem de dizer nada a ela. Acho que este filme fez muitos homens voltarem ao passado e rever a mentalidade e o comportamento que tinham quando passavam pela puberdade... Os impulsos de transgressão, de curiosidade, um misto de medo e antagonismo para com o pai, está tudo ali!...

Ainda bebê, os pais levam Jack à pia batismal. Mais tarde, impressionado pela visão de criminosos condenados, ora: “Ajude-me a não desrespeitar meu pai. Ajuda-me a não atiçar os cachorros... Ajude-me a ser grato por tudo que tenho... Onde você mora?... Ajuda-me a não mentir...Você está me vendo?... Quero saber o que Você é. Quero ver o que Você vê.”
Mas, quando um de seus amigos morre afogado na piscina, Jack questiona a bondade de Deus: “Por que eu deveria ser bom, se você é...?” Vê incoerências entre o discurso e a conduta do pai, detesta suas mentiras, exigências e o jeito durão com que os trata, o que alimenta um senso de revolta em seu interior. A tentação está sempre presente, insinua-se como a serpente do Éden; na estimulação agressiva dos outros moleques (quebrando vidraças e explodindo ninhos de pássaros com bombinhas), nos pensamentos hostis ao pai, nos desafios feitos ao irmão, no protesto de insubmissão que dirige à mãe: "Não quero fazer o que você me manda. Quero fazer o que eu quero."
Jack censura a mãe por ser submissa ao pai. É crescente a sua rebeldia. Abusa da confiança do irmão. Deita água sobre sua pintura e a estraga por pirraça ou, talvez, inveja!

Desafia o irmão mais novo a enfiar um fio metálico no bocal do abajur. O pequeno receia, mas enfim faz o que o irmão pede e diz “Eu confio em você”. E depois põe também o dedo no bocal. Ele parece conservar a inocência perdida por Jack. Depois, diz ao irmão menor para botar o dedo na boca do cano da espingarda de pressão e atira! Machucado, o irmão sai correndo e chora. 

E ouvimos Jack pensar: “O que eu quero fazer, eu não posso. Eu faço o que eu odeio.”... É praticamente uma paráfrase do que escreveu São Paulo Apóstolo em Romanos 7,19. Jack está a conjecturar sobre a nossa inclinação para o mal, herança da culpa original. O antagonismo entre inocência e violência, tanto no interior de Jack quanto na sua relação com o irmão, salta aos olhos!
Cena da tentação do patricídio
Pai... Por que ele nasceu?...” Debaixo de um carro sem uma das rodas, erguido por um macaco, o pai faz reparos. Jack se aproxima, a tentação o ronda mais uma vez... Basta empurrar a alavanca do macaco e ele ficará livre do pai... Não o mata. Mas pouco depois, em oração, pede a Deus que o mate! Num outro momento, o pai o acaricia com afeto, mas ele não vê, está dormindo... Penso que esta cena tem também um sentido teológico...

Jack, adolescente, passa pela traumática experiência de perder a inocência
O jovem protagonista observa a sua vizinha adulta e casada. Numa ocasião, espera todos saírem, entra furtivamente em sua casa, vai ao quarto, abre a gaveta de roupas íntimas e olha, fascinado, para uma camisola da mulher. Rouba-a! Esconde-a, num primeiro momento, mas depois a joga na correnteza do rio. Sente o peso da culpa... Chora e se envergonha ante o olhar da mãe, mesmo ela não sabendo o que ele fez... "O que foi que eu comecei?... O que foi que eu fiz?..."

Em outra cena, grita com raiva para o pai: “Ela ama só a mim!”, em referência à mãe. O pai não reage. Apenas o olha assustado, como se se questionasse sobre a causa da revolta do filho. Aqui pode parecer inevitável não associar a atitude de Jack ao Complexo de Édipo freudiano. Mas Jack não detesta o pai simplesmente por querer a mãe só para si. Não se trata de uma rivalidade pelo amor da mãe, mas sim de não aceitar as correções, exigências, incoerências e abusos de autoridade do pai.
Tendo machucado e magoado o irmão mais novo, Jack se dá conta da maldade do que fez: Como faço para voltar?... Onde eles estão?...” “Voltar” talvez seja uma referência ao estado de inocência primevo, perdido nas primeiras transgressões conscientes. Mas não pude chegar a uma conclusão sobre quem ou o quê seriam “eles”.

Depois, tenta animar o irmão, beija-lhe o braço, numa maneira de pedir desculpas com um gesto. Dá-lhe um pedaço de madeira e, como que querendo redimir-se, diz: “Você pode me bater, se quiser”. O irmão ameaça, mas não bate. Então, Jack lhe pede desculpas e o irmão não somente o perdoa, mas manifesta gestos paternais de compreensão. De pé, iluminado pela luz que entra da janela, o irmãozinho põe a mão sobre a cabeça abaixada de Jack. Parece o próprio Cristo perdoando um penitente...

Então, o pequeno arrependido reflete: "O que foi que você me mostrou?... Eu não sabia como nomear você, pecado... Mas eu direi que aquilo era você... Sempre você estava me chamando..." Eu diria que, nesse instante, o protagonista identifica com clareza o gosto amargo do pecado, do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, com suas propriedades sedutoras e corruptoras, tentadoras e destrutivas.

A partir daí, Jack torna-se mais afável, reaproxima-se do pai, ajuda-o na horta, arranca uma folha estragada de uma verdura, o que também me parece significar algo mais... A imagem da poda de uma planta muitas vezes é símbolo da poda do caráter, da retirada das partes deterioradas do Ego, a purificação, a limpeza da planta interior que possibilita a regeneração!
Sean Penn interpreta Jack na vida adulta
Já adulto, Jack reflete:  “Você falou comigo através dela. [provável referência à mãe] Você falou comigo dos céus. As árvores. Antes mesmo de eu saber que te amava, que acreditava em você. Quando foi que você tocou meu coração pela primeira vez?...


A Árvore

"Ajudem-se uns aos outros. Amem a todos. Cada folha. Cada feixe de luz. Perdoem." (Voz da Sra. O'Brien, numa cena em que ela aparece brincando com os filhos)
O Gênesis narra que havia duas árvores no jardim do Éden: 

I) A árvore da Vida, que é a árvore da imortalidade, da qual só se pode comer permanecendo inocente. 

E II) A árvore do conhecimento Bem e do Mal, portadora do fruto proibido, que podemos identificar como "pecado".

Como sabemos, Deus expulsa o primeiro casal do Paraíso, tornando-os passíveis de sofrimento e morte, e ordena aos anjos que guardem a Árvore da Vida: uma vez que perdemos a inocência, a pureza e a bondade originais, perdemos o direito à imortalidade.
Numa cena de sua vida adulta, Jack, refletindo sobre o irmão morto precocemente, olha para uma árvore cercada de altos edifícios e pergunta: “Como foi que eu perdi você?...

O abandono da inocência e opção pela rebeldia é a rejeição da Árvore da Vida e a opção pelo fruto proibido. Mas você não precisa crer no Gênesis para aceitar o dado antropológico de que o homem tende naturalmente para o egoísmo e, não raramente, para o mal. Filosoficamente, essa tendência pode ser chamada de "existencial negativo". 

É o que nos leva a dar mais valor a futilidades inúteis do que às coisas que realmente importam, o que nos inclina a fazer coisas imbecis, muitas vezes perversas, e a ter preguiça de fazer o bem.

Ante essa inclinação, o homem pode simplesmente ceder a ela ou pode acolher a Graça e lutar contra o "existencial negativo" de sua natureza.
Há dois caminhos: o da Natureza e o da Graça. Você tem que escolher qual vai seguir.
O caminho da Natureza é fácil, automático e cômodo. O da Graça supõe o sofrimento, a humildade e a renúncia como instrumentos de purificação. Quem escolhe o caminho da Graça deve aceitar o sofrimento com resignação, com sentido sobrenatural, não com revolta. No filme, pela figura de um padre, Malick nos diz:

“Não podemos ficar no mesmo lugar. Temos que continuar nossa jornada. Temos de encontrar aquilo que é maior que a riqueza, que o destino. Nada, senão isso, pode nos trazer a paz. O corpo do sábio ou do justo está livre de dor? De inquietude? Da deformidade que pode destruir sua beleza ou da fraqueza que pode destruir sua saúde? Você confia em Deus? Jó também estava próximo do Senhor. Seus amigos e seus filhos são a sua segurança? Não há esconderijo em todo o mundo onde os problemas não possam encontrá-lo. Assim como Jó, ninguém pode saber quando o sofrimento baterá à sua porta. No momento em que tudo foi tirado de Jó... ele sabia que fora Deus que o havia feito. Parou então de se preocupar com as coisas efêmeras da vida e passou a procurar aquilo que é eterno... 
Ilustração cristã sobre os dois caminhos que podemos escolher
Pelos dramas dos personagens, sobretudo do jovem Jack e de seu pai, Malick expõe, nuas e cruas, a nossa soberba, a nossa ingratidão*, a nossa inquietude, a nossa irracional insatisfação, a nossa cegueira...

*O filme faz-nos recordar que tudo o que recebemos nesta vida é dom, é gratuidade amorosa, seja do Criador, seja dos pais, que são também sinais do amor d'Ele. Logo, é tolice e arrogância nossa querer exigir mais do que nos é dado e querer estar sempre isentos de contrariedades! A atitude que Malick parece nos propor é outra... Uma atitude de gratidão, amor, perdão e aceitação das contrariedades!... "Nu saí do ventre de minha mãe, nu voltarei. O Senhor deu, o Senhor tirou: bendito seja o nome do Senhor!" (Jó 1,21)
Se há alguma crítica no filme, é a crítica à resistência da soberba egoísta, que frequentemente pode se tornar violenta e revoltosa, à gratuidade do Bem. Mas, mais do que isso, Malick nos mostra o caminho para termos acesso novamente àquela Árvore perdida!

Penso que este longa tem muito a dizer à nossa geração, uma geração que se considera mais "esclarecida" do que todas as outras precedentes, uma geração que gosta de falar de "humildade" e posar de virtuosa, mas que é incapaz de admitir as próprias culpas, de pedir perdão, de abaixar a cabeça e de se ajoelhar! Uma geração que parece dizer: “Se Deus existe, então Ele tem obrigação de alegrar suas criaturas o tempo todo, de não deixar que sofram, nem um pouquinho que seja, nem para o seu próprio crescimento, nem para a expiação das suas próprias culpas!” O mundo está cheio de gente que quer que Deus as faça felizes aqui e agora, não na Eternidade, não do jeito d'Ele, mas "do meu jeito e já!"... Supõem: "Se Ele não faz todos imediatamente felizes, Ele não é Deus, Ele não existe! É apenas uma ilusão que dá conforto pra alguns ingênuos!"...
Malick nos permite admitir que o sofrimento, uma vez aceito com contrição, redime, faz crescer, traz reconciliação e se transfigura no final em alegria e dom, como na cena paradisíaca em que a mãe O'Brien, que outrora chorava pelo seu rebento morto, declara aos Céus: "Eu o dou a Você. Eu Lhe dou meu filho." 

Notórios autores espirituais cristãos, alguns deles santos, chamaram a própria Cruz, símbolo do martírio de Cristo, de “Árvore da Vida”. Existem inclusive hinos que a chamam assim. Mas por quê?... Bem, talvez porque o “bendito fruto” da árvore da Cruz, que é o próprio Cristo crucificado, nos restituiu a possibilidade (perdida do Éden) de uma Vida Eterna, sem angústias nem dores.


Nesse prisma, o filme resgata as imagens teológicas da Criação e da Redenção para mostrar como estes dois atos divinos de proporções cósmicas se fazem presentes em uma família comum. Ou, ainda, é sobre como a reconciliação salvadora se faz possível pela abertura à Graça e pela aceitação do sofrimento (não num sentido masoquista, mas como algo próprio da natureza humana caída, que precisa sofrer; não em vão, mas para expiar, para reparar pelos males que fazemos e pelo bem que negligenciamos).

Um viciado em crack que quiser se desintoxicar e se libertar do vício, necessariamente vai sofrer! A abstinência pode ser terrível! No entanto, o sofrimento é necessário para o seu tratamento, reabilitação e cura, como em quase todos os casos de doenças e vícios humanos. É por isso que médicos e terapeutas às vezes nos fazem sofrer e é por isso que Deus muitas vezes permite que soframos neste mundo de misérias.
Uma lei que vale para o corpo, e mais ainda para o espírito.
Sem padecimento, dificilmente alcança-se uma cura ou uma evolução pessoal. “No pain, no gain!” (“Sem dor, sem ganho!”), dizem os treinadores e praticantes de exercícios físicos. O mesmo vale para o nosso eu mais profundo, o eu espiritual. O sofrimento faz-se inevitável se quisermos sanar e desenvolver o cerne mais profundo da nossa natureza.

Embora muitos falem de “várias interpretações possíveis”, fica patente que este filme retrata como a nossa natureza viciada, além de repudiar ser contrariada, fomenta o orgulho, a violência, a rebeldia. Enquanto isso, a Graça, por vias insondáveis, nos suscita o arrependimento e nos impele a uma iniciativa de humildade, que tem, por fim, a plena reconciliação do homem (não só com o seu pequeno círculo familiar/social, mas também com o macrocosmo e com o Autor de ambos) e sua realização plena, sua felicidade última.


Zeca Camargo
A essa altura, o leitor já deve estar se perguntando: "Mas o que o Zeca Camargo, que você invocou no título, tem a ver com tudo isso?..." Bem, no ano em que o filme chegou aos cinemas, o famoso jornalista e apresentador escreveu um artigo sobre o longa intitulado "O Cômico e o Cósmico" em seu blog no portal G1. E me chamaram a atenção as suas seguintes palavras: 

"O filme mexeu tanto comigo que me fez reconsiderar até mesmo minha posição com relação à fé. Ela é um pouco complexa (e indefinida) demais para eu poder dividi-la hoje aqui com você, mas, apenas para continuar a discussão, digamos que eu já tinha resolvido que fé era uma coisa que não faria parte da minha vida. Mas aí chega Malick e me reapresenta a Graça Divina como o único amor que de fato pode nos salvar – como não me sentir cutucado com isso? As perguntas que Jack – e eventualmente seu pai e sua mãe – colocam ao Criador são longe de ser tolas, ou simplesmente retóricas. São pontuais e indispensáveis para nos fazer pensar na cena que estamos vendo – e nos provocar por muito tempo depois que saímos do cinema."
Um filme que aponta para o Alto e potencializa nossa percepção do influxo da Graça
A quem queira objetar que a "fé" do Zeca chacoalhada pela obra de Malick era, na verdade, uma "não-fé", convido à leitura desta obra www.bit.ly/1UeVz0Y e encerro este artigo com um trecho das cenas finais do filme To The Wonder ("Amor Pleno", no Brasil), também dirigido por Malick, e dois bônus literários: um poema de Adélia Prado e um trecho do romance Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski, que casam perfeitamente com A Árvore da Vida.

Cenas de espiritualidade no filme Amor Pleno: 
https://www.youtube.com/watch?v=cPnFThIH7Qo



Jó consolado  
(Adélia Prado)

Desperta, corpo cansado;
louva com tua boca a cicatriz perfeita,
o fígado autolimpante,
a excelsa vida.
Louva com tua língua de argila,
coisa miserável e eterna,
louva, sangue impuro e arrogante,
sabes que te amo; louva, portanto.
A sorte que te espera
paga toda vergonha,
toda dor de ser homem.

Só está apto a acolher a Graça e comer do fruto da Árvore da Vida
quem estiver apto a passar pela provação de Jó

Excerto de "Os Irmãos Karamazov", de Fiódor Dostoiévski, Parte II, Livro Sexto, Capítulo I, b:
“Havia na terra de Hus um varão justo e piedoso, que possuía muitas riquezas, tanto em camelos como em ovelhas e jumentos. Os seu filhos se divertiam, e ele, que os amava muito, rogava a Deus pelos filhos, temendo que tivessem pecado ao divertir-se. E eis que o diabo se aproxima de Deus, juntamente com os filhos de Deus, e diz ao Senhor que ele percorrera toda a terra, por cima e por baixo. Viste o Meu servo Jó?, pergunta-lhe Deus, com muitos louvores ao seu santo servo. 

O diabo sorriu: Entrega-me o teu servo e verás que ele murmurará contra ti e maldirá o teu nome. Então, Deus entregou ao demônio o seu justo, que ele tanto amava. O diabo feriu os seus filhos e o seu gado e destruiu as suas riquezas com a rapidez do raio. Jó rasgou as suas vestes e atirou-se ao solo exclamando: Saí nu do ventre de minha mãe e nu voltarei à terra. Deus me deu e Deus me tira tudo. Bendito seja o nome do Senhor, agora e sempre, pelos séculos dos séculos!’ [...]
Quanta grandeza e que mistério inconcebível! Ouvi muitas vezes os detratores dizerem: ‘Como pôde o Senhor entregar ao demônio o mais amado de seus santos, tirar-lhe os filhos e enchê-lo de chagas, a tal ponto que ele tirava o pus com o caco de uma telha? E tudo isso para quê? Apenas para se vangloriar diante de Satanás: Vê o que é capaz de suportar o meu santo por amor a Mim!’ 

– Mas é isso que constitui a grandeza do drama, esse encontro da efêmera aparência terrestre com a verdade eterna. Aqui o Criador, aprovando a sua obra, como nos primeiros dias da criação, olha para Jó e novamente se regozija. E Jó, louvando o Senhor, serve não só a ele, mas a toda a sua criação... [...]
É como a representação do mundo do homem e de seu caráter, tudo explicado para os séculos dos séculos. E quantos mistérios resolvidos! Deus restabelece Jó em sua posição primitiva e dá-lhe novas riquezas. Passam muitos anos e eis que ele tem novos filhos, a quem dedica seu amor. Senhor! 

Como podia ele amar esses novos filhos, depois de haver perdido os outros? A lembrança dos primeiros permite que ele seja completamente feliz, por mais que os novos filhos lhe sejam caros? Mas isso é possível, sim: a antiga dor transforma-se misteriosamente e pouco a pouco numa doce e comovida alegria; a ardência do sangue juvenil é substituída por uma serena velhice. Bendigo diariamente o erguer do sol, e, como outrora, o meu coração canta um hino em seu louvor, porém amo muito mais o crepúsculo, os seus longos raios oblíquos e, com eles, as doces e ternas recordações, as imagens queridas e de toda a minha longa vida bem-aventurada – tudo isso dominado pela verdade de Deus, que apazigua, reconcilia e absolve.”